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Transdisciplinaridade - O novo paradigma emergente

Atualizado: 4 de set. de 2020

Trecho de palestra proferida na UNIP no dia 12 de agosto de 2003 durante a Semana de Estudos de Psicologia. Quando falamos em Transdisciplinaridade, às vezes as pessoas pensam que se trata de uma nova disciplina que está surgindo, dentre tantas as que já existem. Nada mais errado. Esse termo surgiu há mais ou menos 3 décadas, em trabalhos de diferentes autores, como Jean Piaget, Edgar Morin, Eric Jantsch e recentemente foi retomado pelo físico romeno Basarab Nicolescu, atualmente diretor do Centro Nacional de Pesquisa Científica, em Paris. Foi também o fundador do CIRET – Centro Internacional de Pesquisas Transdisciplinares, na França. Geralmente se diz que a Transdisciplinaridade é uma “jubilosa transgressão das fronteiras entre as disciplinas, sobretudo no campo do ensino.” Outros dizem que os pesquisadores transdisciplinares são os “resgatadores da esperança”. Isto se explica pela situação caótica que resultou do boom das disciplinas nesses últimos tempos. Nunca se soube tanto sobre tão pouco. As especializações se multiplicam. Na medicina isto chega a ser assustador; cada parte do nosso corpo é separada do resto e cria-se uma especialização para cada pedaço. O problema é que cada especialização gera uma linguagem própria que torna o diálogo impossível, não só entre disciplinas diferentes, mas até entre os próprios especialistas da mesma área. Resultado: a cura se torna impossível, porque não existe separação na natureza. Nossos órgãos funcionam em perfeita interação e harmonia uns com os outros. A saúde de um depende do bom funcionamento do outro. Por causa disso o saber científico se tornou uma verdadeira Torre de Babel, porque perdeu-se o elo de ligação que une todas as coisas entre si. Mas, esta fragmentação do saber em saberes departamentalizados, é resultado de uma certa concepção da ciência, que começou há cerca de 300 anos com alguns filósofos racionalistas e empiristas, e que aboliu a subjetividade e a intencionalidade do conhecimento, em prol da objetividade e da funcionalidade. Nem sempre foi assim. Houve um tempo em que era outra a ordem que imperava entre as pessoas. O universo era encantado. A realidade mitológica, metafísica, metafórica, era preenchida por diversas entidades mágicas e misteriosas que se misturavam aos seres humanos e se relacionavam naturalmente, de forma cooperativa, integrada, mística. Nessa antiga ordem cósmica havia a compreensão da unidade, havia um sentido para os acontecimentos, para os fenômenos da vida e da morte. A vida tinha um sentido. A ciência moderna nasceu de uma ruptura com esse mundo encantado. É verdade que seus fundadores eram apaixonados pelo universo cósmico. Galileo, Kepler, Newton, todos eles era cientistas profundamente místicos e encantados pelo mistério dos astros, pelo caminhar das estrelas no escuro céu da noite, e foi isso, essa perplexidade cósmica que os levou a descobrir as leis que presidem o movimento, as equações e as fórmulas matemáticas que explicavam o caminho das estrelas. A partir daí tudo foi número. O sucesso de suas descobertas foi extrraordinário. Primeiramente, descobriram que tudo podia ser explicado matemáticamente. A queda de uma maçã deu origem à descoberta da Lei da gravidade. Depois, perceberam que podiam prever o movimento, calcular as distâncias, medir o tempo. Surgia a lei da causalidade. Tudo resultava de um encadeamento de causas e efeitos. Logo em seguida perceberam que este encadeamento era linear, isto é, caminhava em linha reta. Surgia a mecânica newtoniana. Mas, o mais espetacular era que tudo isso podia ser experimentado em laboratório e reproduzido quantas vezes quisessem – sempre obtendo o mesmo resultado. Surgia a produção em série. Surgia a máquina. Então, o mundo não era mais aquele complexo reino de entidades metafísicas misteriosas, e sim, uma grande máquina, composta por peças que se ajustavam e se articulavam entre si, produzindo um efeito perfeitamente previsível. Ou seja, exatamente como um relógio. Quando um relógio estraga, trocam-se as peças. Nosso corpo também passou a ser visto assim: troca-se um coração quando há um defeito na aorta; substituem-se os dentes quando eles caem, extirpam-se os órgãos que apresentam defeito, enfim, refazem até o corpo inteiro, em laboratório, se for preciso. Talvez, daqui há algum tempo, os bebês comecem a ser gerados em proveta, tornando a maternidade uma coisa obsoleta, do passado. A partir daí Deus foi destituído do cargo de criador e provedor da vida. Consequentemente, o universo foi dessacralizado. O cosmo foi esvaziado de seu mistério. E a natureza, antes divinizada como a Grande Mãe por todas as culturas antigas, foi decaída. De mãe a amante, ela agora podia ser explorada, usada, descartada. Francis Bacon, um filósofo inglês que viveu no período da Inquisição, uma época negra na história, quando milhares de mulheres foram queimadas na fogueira acusadas de bruxaria, ao explicar seu método empírico a toda uma platéia de estudantes, costumava dizer que a natureza é como uma mulher, e como tal, ela é obrigada a servir, deve ser escravizada, acossada, reduzida à obediência. Tal como uma bruxa, devia ser submetida à tortura para se extrair dela seus segredos. E assim foi. Estamos hoje às voltas com as consequências dessa visão medieval mecanicista e sem alma do mundo. Florestas devastadas, nossos rios e nossa atmosfera poluída, a Mãe-terra está ameaçada de morte. É nesse contexto que surge uma nova lógica e uma nova visão do mundo: a transdisciplinaridade. Ela surge, portanto, em resposta a um certo impasse vivido pelas ciências. O acúmulo de conhecimentos, disciplinas, especialidades, trouxe um empobrecimento das consciências. Criou-se uma torre de Babel: cada disciplina criou sua língua e ninguém se entende mais. O diálogo tornou-se quase impossível. A questão poderia ser colocada da seguinte maneira: imaginem um círculo de fogo. No meio há alguém que precisa sair. Como esse alguém poderia sair sem passar por nenhum dos pontos do círculo incandescente? Esta é a questão que a transdisciplinaridade se propõe responder. Não adianta criar mais uma disciplina para resolver o incêndio das disciplinas. Isto fizeram tanto a interdisciplinaridade quanto a pluridisciplinaridade, sem lograr êxito. A pluridisciplinaridade é o estudo de um objeto ou tema por várias disciplinas ao mesmo tempo. Ex: um quadro de Portinari pode ser objeto de estudo da arte, da sociologia, da história, da política, etc. Outro exemplo: o marxismo pode ser estudado pela sociologia, pela psicanálise, pela antropologia, pela política, etc. É claro que o objeto em questão sai enriquecido de uma análise pluridisciplinar. Mas ainda estamos dentro do universo das disciplinas, cada qual falando a sua língua particular. A interdisciplinaridade diz respeito à transferência de métodos de uma disciplina para outra. Ex: o método da matemática utilizado em física gerou a física-informática. A informática em associação com a arte gerou a arte-informática. A engenharia e a física, em associação com a medicina produziu aparelhos de ultra-som, eletrônicos, radiativos, etc. Houve um ganho em tudo isso? Claro. Mas, criamos ainda mais disciplinas, mais especializações. E o que propõe a transdisciplinaridade? Analisando o seu prefixo, vemos que indica o que está entre, o que passa através e o que vai além. A transdisciplinaridade não é mais uma disciplina, pelo contrário, ela tem a ver com uma mudança do olhar, da postura do observador, da própria visão de mundo. Tem a ver -- não com um novo objeto epistemológico, mas com uma mudança de enfoque do objeto.


Autor Mani Alvarez

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